20 de dezembro de 2012

Trajetória 2: Rio-Niterói

Ouve-se uma conversa indignada e fervorosa de um pai para um filho pequeno, uns sete ou oito ou nove anos. O pai dava o seu ponto de vista sobre a vida e educava a criança. Como é árdua e delicida a função de educar. O que fazer, de que maneira agir quando a vida não está balançando sobre o mar com janelas de cartões-postais? De um lado, a ponte. De outro, o pão de açúcar. Como agir quando o mundo se torna de fato um moinho e o calor frita os cabelos de uma moça na rua que ao abraçar o amigo, queima-lhe a orelha?
A figura paternal exclamava que o filho tinha de ficar perto da cabine azul dos policiais, em um ângulo onde a câmera lhe filmava todo o tempo. Que se o cara fosse mexer com seu filho de novo, ele ia falar com os pais dele. E que se continuasse, ia dar parte na delegacia e entrar com uma ação por danos morais (pequenas causas). "Danos morais, não. Injúria racista! Art. nº tal da Constituição Federal." O pai ficou em silêncio. Depois disse que ele não devia ter mexido com a pessoa errada. Meu ouvido atento tentava captar cada palavra e ideia daquela cena.

"Você sempre resolve, né, pai? Vai até o fim que nem aquela vez que o moço..." (não deu pra ouvir o resto). "Sim, filho. A gente tem que ir até o fim. Se as pessoas fizerem algo, a gente tem que contestar. Isso aqui (isso = mundo) é pior que a savana. Na savana, os animais só matam o outro e os comem porque estão com fome e precisam alimentar-se. A fome os move. Aqui, não. É um querendo passar por cima do outro, comer o outro só pela bel vontade, pela maldade. Há prazer nisso. Se não for pela fome, qualquer bicho pode passar pertinho do outro que ele não vai fazer nada."
O menino pergunta algo que não consigo ouvir. O pai diz que naquele caso, a história é outra. É uma questão de instinto do animal, mas que mesmo assim, o bicho só vai matar o outro pela fome. Uma vez mesmo, um amigo dele, Sérgio, mergulhava e um tubarão branco passou do lado dele e não fez nada porque não tinha fome. "Mas isso aqui, filho, é pior que a selva. Tem que estar preparado."
Lembrei-me da conversa que tinha acabado de ter com um amigo sobre fé e religião, e ele me contou que gostaria de acreditar em alguma religião, mas que até o momento presente de seus quarenta e nove antigos anos, nenhuma lhe arrebatara. Falava que queria poder chegar a uma criança enferma ou órfã e dar força dizendo "Eu acredito nisso. Tudo vai melhorar, Vai dar certo." Mas que atualmente,... Só poderia dizer "É, está brabo. Mas não fica assim, porque vai piorar... Se prepara."

Sobre o verbo preparar, aparelhar-se, dispor-se antecipadamente, que tanto ouvi neste dia. Pode querer dizer estar pronto para uma ou mais ocasiões qualquer. É ele um dos mistérios da fé. Estar pronto e confiar-se pronto. Já disse o grande bardo "Estar pronto é tudo." Não é, Hamlet?

9 de dezembro de 2012

Diz a ela enquanto tomo um café preto. Ou dois.


A brisa e o barulho dos carros, da obra que constrói mais um dos arranha-céus do centro da cidade lembram-me o seu discurso paralisante em minha direção. Lembrei-me... (lembrei-me nada. Meu rosto acaba de queimar quando um homem qualquer com o boné com a aba virada para o lado e calça jeans, me dá: “boa tarde”. Eu respondo da mesa do outro lado da grade e ele diz: “Você é muito linda.” Enrubesço. “Se Deus fez algo mais lindo que você, ele guardou pra ele. Porque você é muito linda. Nossa. Desculpe e boa tarde.” Sabe aquele tipo de abordagem que te desnorteia?... Voltei).


Enfim, dizia que lembrava da história de uma amiga que conheceu o amor aos quinze anos e entre idas e vindas, e dez anos, casou-se e meses depois se separou. O mito de Pandora com sua caixa de mistérios. A cozinha. E o Zéfiro de sua Íris que nem sempre a amava tanto assim. Sabe o que é ser olhado dentro da alma mesmo com toda roupa farsante envolta no corpo? Sentir as pirâmides desabarem por dentro? Estar nu no meio de um viaduto movimentado qualquer? É essa a sensação que seu par de botões escuros me causam.


Ouvir que você não pôde me amar e ser inteiro foi levar um tiro no sistema nervoso que escolheu você para reagir e derramar seus mais bonitos sentimentos. Tranquei a carne que se colocou diante de ti para ser devorada.

Lembra-se do dia que bebemos algumas cervejas em copos pequenos, outros grandes? Levantamo-nos e sentamo-nos algumas vezes e eu fiz a avassaladora escolha de não ir. O suficiente. Porque foi exatamente nesse momento que começamos a povoar a cabeça um do outro. Em um primeiro instante, espaçadamente, é verdade. Depois, diariamente. Ao levantar-se e antes de se deitar. De hora em hora. E se eu tivesse dançado? E se não comêssemos árabe?

Porém a história que quero contar é a do cara em uma festa, na qual ela sacudia o corpo sozinho ao som das músicas ultrapassadas da década de setenta, oitenta, abordou a mulher por seu cabelo e depois, desejou ter um filho com ela. Ele lhes deu um nome novo como acontece em algumas religiões na ocasião do batismo ou alguma espécie de renascimento dessas. Rebatizados, eles construíram um elo não racional e explicável que não os deixou soltarem-se. Que acendeu a mútua vontade e pronto. De quê, a vontade?

O ponto é que o rapaz que nunca se expunha deusa das cores (ou deus do vento), transbordou palavras lógicas, irracionais e sentimentais que a (o) envolveu em uma atmosfera fantástica e a levitou para alguns centímetros acima da chama azulada do fogão. Ele contou-lhe, com uma marca no pescoço, a história de uma terra cujos componentes assustados por sentirem algo desconhecido renegaram o objeto de seus desejos. Como uma maldição dessas de contos infantis, a terra não conseguiu ficar um dia sequer sem ela consigo, fosse em um pensamento, em um vazio ou em algumas frases. Esse sentimento foi corroendo a crosta que envolvia aquele grande espaço de habitação até que pudesse confessar-lhe explicitamente o que sentia por ela.

Outro conto era sobre o menino que lavou o feijão enquanto debulhava algumas espigas da sua alma. Colocou todos os ingredientes para a receita na tábua. Feijões na panela de pressão que já havia transbordado. Legumes e temperos espalhados pelas bocas. Sentou-se como de praxe no banco com o órgão virado para o encosto. Eles encararam-se. Seus sentimentos mais bonitos e claramente indesejados por si, viraram o prato principal de odor alcoólico. Ele a amava e continuar negando isso só seria massacrá-lo ainda mais um pouco e um pouco mais. Viu-a como que pela primeira vez com olhos de desejos aprisionados pela hora.

5 de dezembro de 2012

Tempo Presente da Nação.


Acordo com sono, sentindo os ossos e até a pele quebrada pela escassez das horas em que estive na cama. Cerca de duas horas, duas horas e meia, suponho. Mal me sento, preparando os pés para me sustentar e uma notícia (mais uma!), me deixa com as vísceras reviradas e o vômito corrosivo na iminência de sair. Pensando bem, acho que o vômito apodrecido, na verdade, era arremessado como areia nos meus olhos e ouvidos. A repórter ao falar, dava um tapa matinal na cara da população brasileira. Um tapa de impunidade, de escárnio, uma porrada lavada pela cachoeira de sangue e dejetos que sorria ao dar um pequeno adeus safado para as grades antes companheiras.
Senti vergonha. Não de ser quem eu sou ou estar onde estou, ou por minha moral e ética muito bem lapidadas por uma mulher que com toda pobreza e dificuldades soube me educar clara e eficientemente bem, obrigada. Mas vergonha por estar em um país onde todos os dias as notícias (principalmente, no que tange à política) são péssimas novas. Péssimos exemplos que constróem uma sociedade com um pensamento bizarro de que o importante é sair por cima da carne seca sempre e dar um “pequenino adeus” para a câmera no fim.
Beijinho, beijinho, tchau, tchau.
E foda-se.
E pau, pau.
E empalhamento para quem é adversário ou minoria.
Em uma dessas tragédias gregas, Ésquilo ou outro humano qualquer discursa, através da fala de um deus do Olimpo, que os mortais têm essa mania de pisar naqueles que já estão no chão. Infelizmente, é a mais pura verdade.
Ah, a mesquinhez e a falta de vergonha, de peso na cova e na consciência de roubar daqueles que possuem tão pouco. De usurpar o dinheiro do lanche que mantém em pé os pequenos sacos de batata vazios que mal conseguem sustentar-se para adquirir mais gulodices, gordura e requintes, até importados, para as barrigas flácidas, obesas ou super esticadas por cirurgias plásticas pagas muitas vezes com a verba destinada à saúde pública.
Quanto asco! Senti vontade de morar em um desses países cuja lei é a da tolerância zero. Para esses corruptos, ladrões e porcos escrotos (com todo respeito aos suínos que não merecem tal xingamento, coitados), a punição é o corte dos dedos, da mão, do braço, a retirada dos olhos etc.
É esse o mal do século, não é? A intolerância.
Fica muito difícil ser tolerante diante de tanta desumanidade. É a época da exaltação das atitudes filhas-da-puta (com todo respeito às putas, claro).

22 de outubro de 2012

O Retirante e o Incrustador, Amor.


Essa era para falar do que o amor me tirou
Um pedaço da minha crença
O interesse por uns livros
O gosto por algumas películas
Uma jaqueta jeans
Uma parte do meu cabelo
Um vidro para que eu possa ver melhor
Uma maneira torta de olhar
Algumas blindagens
O fulgor do olhar
Mas observo e reflito
todo esse sistema-conflito
que me enlaça a memória
e a espreme até lacrimejar
Assim, surge a necessidade de dizer
o que o amor foi capaz de me incrustar
com tal ânsia que transpôs por alguns lados,
sem pedir a menor licença.
O amor me incrustou vontades e fatos,
atos, desejos, amoralidades
A vontade de servir meu coração em uma bandeja
para ser comido (mas ninguém comeu, diga-se de passagem)
O desejo desvairado de fumar um cigarro
O querer desvendar meus próprios mistérios
e dar com a cara no espelho
O prazer de escrever o que nem sempre é
e o que é também. De escrevê-lo.
A compreensão da simplicidade do que é felicidade.
O querer dançar ainda mais nas ruas estreitas de paralelepípedos
A crença em mim
Alguns machucados, dores profundas
arrebatadas pelo eriçar dos pelos
Ouvir a música matrimonial
A edificação imaginária de uma casa com quintal,
uma criança, roupas leves de domingo,
almoços sorridentes em família.

O amor me incrustou um vínculo,
a compreensão, a tolerância,
o experimentar o que ainda nem está pronto.
Uma maneira corrosiva de expressão
Agressividade abafada.
Ciúmes extravagantes, dentro de sua impecável lógica
Um jeans mal acabado
Uma roupa de inverno
A palavra inferno em outro tom.
Incrustou o sal, a pimenta diária
e um paladar transgresso
Um interesse pelo tosco
Um rosto fosco pela saudade
Um vazio sem a menor necessidade
Lágrimas em chamas, impossíveis de desaguar
Um fio arrebentado
Quilos de sal no travesseiro
e álcool no travesseirinho
O arbítrio de perder a beleza, o intelecto, as decisões,
e qualquer outra coisa que me afastasse
Um plano b pra trazê-lo
Um plano c pra seguir sem tê-lo

Por mais que nada (ou tudo) disso
não contenha muito sentido em si
sem você, sem mim
Sigo com a trouxa que me cabe carregar
pela avenida truculenta
Em vida trabalhosa e solitariamente nova, enfim.

E a sensação, é a de quem segue tardiamente...

18 de outubro de 2012

Trajetória de inebrios. [ou uma hora de inspirações]

Ritmo. Respiração. Um compasso para manter uma composição minimalista para um percurso. Um, dois, três, lufar. Um, dois, três, lufar. É isso. Continuar. Hoje, as pernas não doeram, nem queimaram.
Muitos passos, barracas amontoadas e desesperadas. Muitas cores, gente. Só o que é realmente capturado é muito pouco para se relatar. No ir e no voltar, ficou tocada com a imagem de dois menininhos em pontos distintos daquele mesmo espaço, que provavelmente, nunca trocaram brinquedos, gritos ou palavras antes. Eles cavavam dois pequenos buracos com uma raiva cega... Uma agressividade que talvez, lhes causasse um certo prazer. Ou talvez, fosse só um alívio. O fato é que quase urravam, em uma atitude diretiva, devido à dificuldade do peso da terra e da água quando juntos. Guardou aquela cena para tentar reproduzir depois.
No início da manhã, outra partitura de movimento já havia lhe roubado alguns segundos de atenção. A frase “Mas por hoje, ficamos por aqui.” Ela suspira, senta-se quase chorando. Bebe os dois ou três goles de água que restam no copo meio vazio. Hidrata. Levanta. Dá quatro passos até a mesinha. Apoia o copo lá. Mais uns cinco passos. Dois beijinhos, um “até” e alguns passos a mais. Arriscaria uns dezessete, dezoito, até a porta de saída da sala e de entrada pra labuta do dia. E seus pensamentos vão assentando-se, assentando-se... Hora de seguir.
Mas continuando, o ar ia ficndo escasso. O ritmo mudara. Viu o Andy Warhol com seu cabelo loiro como quem projeta uma onda. Meio Niemeyer. Poderia voltar a ser um corte de sucesso. "O que quer hoje?” “Quero mudar, fazer algo assim, com umas ondas, sabe? A la Niemeyer!” Sorriu e continuou. Percebeu a águaa regenerando e querendo dizer-lhe algo. Pensou em Iemanjá, seu rosto sereno e poderoso abrigava uma expressão tristonha. Quis lhe perguntar o que era, mas recebeu outra indagação como resposta “Como ele está?” Não está bem. Nada bem. Entre um vômito por dentro e outro por fora. Precisava respeitar sua antítese-escolha. Ou porra nenhuma. Queria vê-lo. Precisava acarinhá-lo e sabia disso. Não para lhe fazer bem ou com algum interesse em passar por cima da sua decisão. Mas só para tocá-lo com carinho mesmo. Tranqulidade. A calma que é difícil manter e que eles detiveram por tantas horas juntos.
Pensou em saltar de paraquedas. Virar pássaro por alguns segundos na vida. Correu o máximo que podia e assim, podia sentir seu coração almejando sair pela boca. Sentiu a baba grossa em sua boca como ele havia lhe narrado. Pensou na saliva dos dois quando misturadas, em alquimia e na água salgada. Sua perna direita está um pouco debilitada. Ignora. Anda descalça pelas pedras e sujeira e vê Iemanjá, uma vez mais, em sua cabeça. O que tudo isso quer dizer? Talvez nada. Pode ser só um sonho ou alucinação fruto do seu fígado maltratado por um fim de semana de atropelos. Consegue parar de pensar um pouco. Lava seus pés e quando gira a chave e coloca o pé direito em sua casca, estanca. Ouve o despertador tocando, Só que o despertador crescente dele.

17 de outubro de 2012

Água, Órgão e Aquela na Boia.


Chuva que não cessa
não penetra na seca
intrínseca ao órgão daquela
que espera na cela não concreta
quem não vai chegar.

O cavalo já passou
O herói também
A heroína se molhou
O menestrel se engasgou
O vilão levou ferro.
Ou se ferrou.

Se há um bobo
Nessa corte molhada
Perdeu o time da piada
Se afogou.

Os ralos transbordaram
Os ratos se atracaram
A batalha estava armada
Arquitetura desmanchada
Mas o passarinho que passava
não mergulhou.

15 de outubro de 2012

Ensaio sobre choro incessante.


- Se você parasse de chorar...
- Eu pararia de chorar, se eu pudesse.
- Se você pudesse parar de chorar...
- Se soubesse como estancar o sangue de uma ferida aberta, pararia de chorar.
- Se você pudesse estancar o choro...
- Vivo com o incômodo do choro copioso que corre suave pelos ouvidos e escorre pelos nervos acarinhando-os. Não poder conter o ato ou a ação de chorar...
é boca seca.
é olho ardente como brasa.
é dor de cabeça crônica
é olheira negra.
é o estrangular da goela.
é bombeamento forçoso e ininterrupto do diafragma.
é abandonar a pele.
é face contorcida, carranca.
é tentativa de esvaziar.
é quase se afogar em água com sal.
é mar.
é corpo em posição fetal sobre o leito.
é sentir um rombo no peito.
é a epiderme fria e os fluidos quentes.
é evaporar (e condensar para evaporar uma vez mais e outra...)
é química, biologia e história triste.
é maneira de abrandar
é evaporar, definitivamente.

3 de outubro de 2012

Sopa de Letras. Um mal Desnecessário.


Há alguns dias, pouco me desce.
E não falo só das coisas bolorentas, inchadas e umedecidas. Falo da correspondência, do barulho das buzinas, da fumaça do cigarro, o cheiro saltitante do pescoço do pedestre.
O café que confortava, agora é o da gastrite, da compressão incompreensiva. Em certas comparações, o velho Bukowski torna-se a Madre Teresa. Teresa... Cruzamento da saudade, do Francisco que ficou lá atrás (no diminutivo).
O porquê da pressão é sabido, mas o que se faz com certos dados... Quem sabe.
E quem sabe o que é ler e escutar  estrelas, como medir o tempo da saudade, por que a tristeza é pra um e não pro outro... Deixa estar.
Tanta explicação e certeza podem carregar uma ignorância tão grandiosa.
Será que as mãos uma hora, se acalmam?
(Eca! Nozes com farinha e açúcar nunca espumaram tanto).
Não desce a ideia do argumento, o gesto do outro, a frase dita – não para mim. O mundo todo fervilhando como milho e óleo quente. Estoura, transforma o mundo-pipoca.
Ter febre, meu caro, também é um modo  de saber que está vivo.
O “mundotodofagia”!

2 de outubro de 2012

Parágrafos [Ou Raios Que Passaram Antes de Terminar de Dizer Esta Frase].


Hoje, ausência. Sou ausência do raio
Brilhante e apontado, capaz de inebriar
a mocinha sentada com as pernas para um lado do cavalo
a mulher de pele opaca pintada, borrada e rabiscada que não dá um passo em uma corda sem cair.
Porém o raio é dúbio mesmo. E que graciosidade teria se fosse um só?
Divide-se e corta-se por entre nuvens, as quais nem sempre são capazes de escondê-lo.
Porque quem ensina a usar o coração, nem sempre o utiliza e vice-versa.
Versar não é sentir, é colorir.
A temperatura e a umidade, dentre outros, fatores, capazes de atrair, são as mesmas que expelem, repelem. E cansam. E sim, desinteressam. Se o resumo de alguém são essas características, diferente do raio, está fadado a solidão da lei do uso e desuso.
E se a tua terra não tem palmeiras, nem flor, nem brotos para um pássaro qualquer cantar, o indicado é manter-se fora do castelo de asas que não pousou.
A suscetibilidade é objeto de surpresa na maioria. Encantadora. Corajosa.
E por entro os adjetivos, desestimulante (para não dizer brochante, visto que não há a certeza se o verbo “brochar” é grafado com “x” ou com “ch”).

27 de setembro de 2012

Catete às Quintas.

Grades que querem te segurar
Subi.
As escadas estavam difíceis
Princesa.
Porta entreaberta e
convidativa ao exercício do samba-funkeado
(uma dessas derivações moderninhas de como mostrar-se em molejo)
Rampas para deficientes. Brincar com elas.
Uma esquina-curva do século XIX.
Cachorro no meio dos sacos de lixo
em um poste qualquer.
Um bêbado esbraveja. Vai para o meio da rua.
Os carros desviam.
Todos os transeuntes olham para o mesmo ponto.
Seguir.
Os andaimes.
Um cabelo extraordinário de cachos-sim, cachos-não-dourados.
Era um homem.
Uma moto. Desejei a vespa que ali, não estava.
Me vi numa estrada ensolarada.
Tropecei numa pedra. Voltei.
Corri.
Os andaimes impedem a passagem pela calçada estrangulada.
Arrisca-se na beira
da rua.
Um homem diz, com três passos de distância,
“linda...”
As grades pretas.
Chegada.
Saída. Busco um café.
Mãos de carvão. Água com sabão.
“É pra viagem.”
Copo de plástico. Não tem troco.
“Já volto.” Bonita a confiança de quem tem pouco.
Super. Biscoito. Trocado.
“Aqui. Obrigada!”
O metal foi recebido nas mãos com tempero pra galinha morta.
Um sorriso amarelado. Verdadeiro.
Sala. As pessoas papeiam em um tom alto.
“Intimidade é uma merda!”

25 de setembro de 2012

Dias Sem Freio.

Seis horas da manhã
a menina estanca
o próprio sono dança
pra bem longe
encosta no lençol novamente
pula assustada e com palpitação
coloca a casa dentro da mochila
Banana e vitamina c
sobe os degraus altos e mal ajustados
derrama moedas em mãos sujas
anuncia-se. Sobe para o dez na caixa
Transborda-se e desata alguns nós
transpõe a porta com outros
“Bom dia. Rua Cosme Velho.”
Já passou. Despeja-se na rua.
Esbarra e por isso, encontra-se com alguém
Outra caixa. Gole d´água.
Escolhe um pedaço.
Absorve o conteúdo.
Grécia. Franjas dos orixás.
Tespe. Mascarar-se. Sagrado. Profano.
Sartori, Streller, Moretti, Lecoq
Commedie di Maschera.
Duas xícaras de café.
Quase transborda-se de novo
Encontre alguém que te diga
"keep walking”
O sorriso mascarado da cabeça triste.
Desejo por um corpo que ainda não tem
(mas pode ter)
Dois amos. Servir é circo e pão.
Força e habilidade também.
Conversa. O exercício do ouvir mais.
Bolo de milho com geleia de cassis.
É francês!
Delicieux! Gromelô. Dario Fo.
Desculpa-se.
Desce por outra caixa.
Vertical. Entra em outra horizontal.
Imagem distorcida por 40 graus.
Engole um refrigerante zero e um yakisoba de legumes que fica no estômago.
Cadeira. Desapontamento por seu atraso ter sido menor que o do ensinador.
Amigo. Óculos rosa. Banheiro. Água.
Aula. Surpreender-se.
São três horas, tardinha.
Carona na estrada. Para um jardim verde.
“No hay doctor!”. Engana-se.
Raiva. Raiva. Acalmar-se...
Não era pra ir.
Não era pra moldura estar pronta.
Não era pra encontrar o bolo com adoçante.
Arrasta-se. A gravidade está mais potente.
O energético dá asas. Cara feia.
Saco cheio. Passar dos limites
também é ir embora.
Discussão.
Pra todo pessoal,
(tenho impressão que alguém já disse isso)
adeus!
Mas o travesseiro ainda está longe.
Cansaço. Espreguiçar-se.
Parar de contar na trigésima quarta vez.
Querer sofá.
Querer um sofá.
Roncar.
Zzz...

17 de setembro de 2012

Ingredientes Pra Eu Desandar

O excesso de pimenta na comida
- Não precisa se desculpar por isso –
É transbordamento de tesão
O que é tesão?
Quando a boca lateja,
Os olhos ardem,
A face cora, nada Coralina
E a água entra
Evaporando o incêndio interno.
Essa sensação das moléculas
aquietando o vermelho ardor
é desejo saciado. A reclamação ouvida, computada e respondida.

Se há erro, está contido na pressa
da necessidade de apagar o rojão.
Deixa queimar...
Ser a dona de casa é o carinho que faltava
Finalmente, quando capaz de dizer
a sinuosidade do modo como mistura cada parte
a precisão que a lâmina te atribui
o teste da lambida do queijo
a atenção a tudo
a habilidade de escolher e errar e acertar...
a satisfação do estar pronto
As reclamações...
Tudo.
Me faz perder o ponto.
Desando.

14 de setembro de 2012

Seba Acinzentada.

Cinza
Enjoada
Emaranhada
Arame farpado
Ferida molhada
Casca
Estou cebola
Retiradas as camadas
Está/É nada
Superfícies:
A fala não disse
O olho vomitou
Os pensamentos estrangularam
A memória mostrou-se (deu rasteira)
O corpo se arrastou
O espelho refletiu
O bolo alimentar não saiu
A fome desapareceu

O grau aumentou
Dias de merda são tão extensos
como nem pode supor nossa vil filosofia.

10 de setembro de 2012

sem título

(...)aliás, como você, quero tanto uma imagem.
quero trepar, gozar, beber, me encaretar e arriscar. 
Quero ficar calma, colocar sal, rir e chorar. Sei lá... só sei o que quero. 
Porque o não querer, não acontece, entende? 
O não querer, é a volta que já não existe no nosso caso.(...)

Só um Pedaço de Pensamento.

Hoje o pincéu acordou cinza
A frase não foi dita
O café estava azedo e amargo

As roupas estavam sujas e desajustadas
E sua pele manchada

A vontade de ir era maior do que a de ficar.

O peito se espremeu e oscilou. Odiou.

Revelar-se é a parte em que a ferida é tocada
e cuspida. Pungida.

4 de setembro de 2012

Para Ele Sumir.

Menino dos olhos daquela,
pra quê beijar alguém com piedade?
Um beijo desse tem sabor de gelo
E nada mais.

Se despeça, suma de vez.
Pois se dois corpos enquadram-se
são como dois ímãs que tentam unir-se.
É repelente meu órgão do seu...

Beba a aguardente que você comprou
Um trago por dia, ou dois, pode esquentar uma alma fria
As mãos que te tocam não se desmancham, não é?
Como sol e chocolate. Bate. Contraste. O inverso.

Possa esquecer o futuro, já antigo
E dê boas vindas para o melhor momento.
É ser alegre e ser triste, se é que coexiste
tal oposição geométrica.

9 de junho de 2012

Nobreza [Inspirações em Dia de Chuva]

Nas madrugadas, a água parece mais fria
A mão não esquenta nem por um decreto
Se eu fosse rei decretaria
manter a temperatura estável e morna
das mãos, dos pés e daquele que palpita.
Se eu fosse rei. Ah... se eu fosse rei
Decretaria correspondência, amabilidade,
igualdade, e acima de tudo,
que a verdade fosse doce.
Sempre doce causando ao hormônio
mais displicente uma paz impossível de pensar
àqueles que não são capazes de pensar em verdade
através da verossimilhança, e não só da fatalidade.

Decretaria o caos disforme que assemelha as formas
mais opostas, e aproximam-nas
E as unem de maneira que só os humanos
são capazes de fazer, com paixão.
Seria um rei humano, por certo.
Decretaria o teletransporte e que eu,
fosse assim, exatamente como sou, eu.
E quem seria eu? Quem sou?

A busca pelo ser pode ser um atirar-se
num abismo mais profundo que a abertura
mais dolorida.
Em dias frios, observa-se como se não morasse no peito.
O mesmo peito de rei, ou plebe, que sempre te segurou
Ou melhor, não te derrubou para frente
mas o manteve de pé.

Sou o rei do peito congelado,
doado a quem quer que fosse
e quebrado pelo tempo.
Correr da vontade é negar um cobertor
quando a temperatura despenca sobre os seus dedos.
Mas ainda sim, sou o rei que segura o fervor
da benevolência ao outro, ou mesmo a você.
Decretaria o melhor, ainda que não o compreendessem.
Ou pesaria e compensaria o entendimento
com a nobreza do jovem cego atirador.

1 de junho de 2012

Resposta Ao Desejo Do Victor

Os seus desejos me tocam e eu derramo
E se digo que amo é porque sinto
Só não o explico por não ter como colocar em falas
O que não pode ser dito.
Prefiro então, olhar amor, tocar amor, ser amor
com os que não mereceram, com os que querem,
com os que precisam,
com os que pedirão.
E se o conveniente for dizer não, direi.
E assim sendo, machucarei alguns, verdade.
Serei magoada também.
Quanto às forças para o não desesperar-se, não prometerei
Mas juro deixar o tempo correr e curar cada dor.

Lamento os amigos que não tive
Mas comemoro cada dia ao lado daqueles pingados que realmente estimo e me estima.
O resto que passa pelas estradas e nem olham pra trás.
ou os que olham com olhos de amizade insincera, deixo passar.
Chorar a solidão faz parte do caminho
E limpar a alma com soluços pode ajudar muitas vezes
Não deixar nada acumular
Porque o excesso, o acúmulo, esse sim é o mal do século.

Confesso que o não crer, às vezes, é o que me faz crescer.
Mas também, o que me leva ao chão da minha sala de estar
Mas tento ter fé em mim e no homem todas as noites, ao me deitar
E penso, exito, sigo a pensar
Até imaginar algumas vezes,
Pra acompanhar minha existência, amar-me.

Saudades da juventude que minha alma esqueceu de ter
Mas agradecer pelo que pude ajudar por conta dessa mesma falha,
me faz satisfeita.
A velhice, às vezes, me assusta.
A minha e a dos meus.
Mas se remar não vai adiantar
e só exaurir seus braços, aprecie a vista do céu. Tão eterno...
Ainda não aprendi a agradecer cada ruga.
Mas cada experiência sim. Obrigada.

A grande e dolorosa descoberta foi que é preciso chorar.
É uma dessas coisas que só se descobre na carne
Então, deixa escorrer como escorrerá
O importante é não esquecer de abrir as janelas no fim
Para que o rosto inchado não enclausure e se torne desespero.
A dor pode ser bonita e produtiva
Como também pode deixar marcas cujas cicatrizes serão irremediáveis.

Aprender a olhar o outro talvez, seja uma das tarefas mais difíceis.
Não só olhar, mas olhar e verde verdade. sem ser falso.
E contemplar o que é belo realmente sem julgamentos
E espantar-se com o que é feio e fétido.
E deixar bater a compaixão que é o que te torna mais forte
e raro no fim das contas.
Tento não esquecer de sorrir e manter o sorriso só porque acordei feliz,
ou alguma borboleta posou em mim, ou ouvi a música que tanto me faz bem.

O dinheiro traz felicidade, sim. Ou melhor,
ajuda muito a alcançá-la muitas vezes.
O medo de que ele suma ou fuja, pode interferir nos seus sonhos.
Ao menos, nos planos que há tempos fiz.
Mas a percepção de que a vida é móvel, em ciclo, uma roda desperta,
te acalma e te faz repensar.
E eu também espero que o que te faça agir seja a melhor ideia.
Não a ideia última, mas a que mais perdurou.

O exercício de libertar-se dos maus sentimentos
é mais que necessário.
Engolir ou vomitar os bolos a seco, antes engolidos, é fundamental.
E às vezes, fujo disso, eu sei.
Mas uma hora faço-o, para não sufocar demais
E que depois de tudo isso, o maior espaço que fique seja preenchido por amor.
O amor mais puro como o de muitas mães e pais por seus
esperados e inesperados filhos.
Também o amor que te tira do ar. Inflamado.
Que te deixa pouco à vontade. que te torna até idiota.
Poder curtir os clichês do relacionamento é essencial
e exercitar o queimar dos olhos com a pessoa que escolher também.
E se não resta emoção, esqueça a razão e aprenda a desapegar.
O recomeçar pode ser gostoso, ou não.
O perdão e o arrependimento também devem encontrar o momento certo
para revelarem-se, eu sei.

Talvez não saiba de nada. Talvez.
Mas sei o quanto é bom existir no mundo
em que você também nasceu.
Ter tido a graça do acaso que nos esbarrou
e nos permitiu perceber-nos e tocar um ao outro.
Pois sem tudo isso, o amor, o dinheiro, o riso, o choro,
continuariam valendo, claro.
Porém, menos.
Bem menos do que vale
por você estar.

25 de abril de 2012

Carta De Um Cavalheiro

Quando precipita, sofro
E se sofro porque você escorre
Me pego preso pela toalha
Imaturo o tecido que usei pra secar
O seu transbordar lacerado.

Querida, perceber a dor
É perigoso quando se tem uma faca na mão
Não nos mate ainda mais.

De malas feitas, viaje pra fora do meu ser
Leve de forma leve em sua bagagem
A breve felicidade que a história nos arrancou.

Permitir o recomeço pode sim ser
um princípio de tropeços
no tempo e no espaço
no céu e na terra
no asfalto e no piso da sua casa,
que outrora, inundou
Já secou. Você não notou?

Agora sou a esquerda
Da direita que você rumou.
Só queria ver o sorriso
que não me fazia envelhecer
Endureço enquanto você o mantém longe.
Nossos sonos são opostos
A sua inquietude não é mais a minha
O meu pertencer, não é mais seu
No caos das ruínas, o equilíbrio
Na paz do ver-me desabar
Pode ir encontrá-lo.
Vai com Deus.

23 de abril de 2012

O que voou.

Vida, nossa vida. Minha.
Quando ela desejou a tua
Fugistes. Correr e esconder-se
É a tua especiaria.
Quando te encontro, choro
Porque não chorar é contrário a razão.
Enquanto a paixão é imperatriz, ser atriz.
Engana-te a ti mesmo
Procurar aquele que em seu ludibrio
possa fazer rir e continuar.
Onde está aquele que ganha
A parte de mim que está escondida?
Fugida. Logo agora que promete
Agora que confessa, que sente
Agora que pinta de colorido, que caiu
Agora que está marcada, desativada
Agora que é mais bonita
Louca, ferida, doída, tocada
Quando ela estende a mão
A cadeira já está vazia.
Sair e caminhar, a continuação da linha que ela arrebentou
cruzou e deixou escapar.
Já é pipa perdida.