22 de outubro de 2012

O Retirante e o Incrustador, Amor.


Essa era para falar do que o amor me tirou
Um pedaço da minha crença
O interesse por uns livros
O gosto por algumas películas
Uma jaqueta jeans
Uma parte do meu cabelo
Um vidro para que eu possa ver melhor
Uma maneira torta de olhar
Algumas blindagens
O fulgor do olhar
Mas observo e reflito
todo esse sistema-conflito
que me enlaça a memória
e a espreme até lacrimejar
Assim, surge a necessidade de dizer
o que o amor foi capaz de me incrustar
com tal ânsia que transpôs por alguns lados,
sem pedir a menor licença.
O amor me incrustou vontades e fatos,
atos, desejos, amoralidades
A vontade de servir meu coração em uma bandeja
para ser comido (mas ninguém comeu, diga-se de passagem)
O desejo desvairado de fumar um cigarro
O querer desvendar meus próprios mistérios
e dar com a cara no espelho
O prazer de escrever o que nem sempre é
e o que é também. De escrevê-lo.
A compreensão da simplicidade do que é felicidade.
O querer dançar ainda mais nas ruas estreitas de paralelepípedos
A crença em mim
Alguns machucados, dores profundas
arrebatadas pelo eriçar dos pelos
Ouvir a música matrimonial
A edificação imaginária de uma casa com quintal,
uma criança, roupas leves de domingo,
almoços sorridentes em família.

O amor me incrustou um vínculo,
a compreensão, a tolerância,
o experimentar o que ainda nem está pronto.
Uma maneira corrosiva de expressão
Agressividade abafada.
Ciúmes extravagantes, dentro de sua impecável lógica
Um jeans mal acabado
Uma roupa de inverno
A palavra inferno em outro tom.
Incrustou o sal, a pimenta diária
e um paladar transgresso
Um interesse pelo tosco
Um rosto fosco pela saudade
Um vazio sem a menor necessidade
Lágrimas em chamas, impossíveis de desaguar
Um fio arrebentado
Quilos de sal no travesseiro
e álcool no travesseirinho
O arbítrio de perder a beleza, o intelecto, as decisões,
e qualquer outra coisa que me afastasse
Um plano b pra trazê-lo
Um plano c pra seguir sem tê-lo

Por mais que nada (ou tudo) disso
não contenha muito sentido em si
sem você, sem mim
Sigo com a trouxa que me cabe carregar
pela avenida truculenta
Em vida trabalhosa e solitariamente nova, enfim.

E a sensação, é a de quem segue tardiamente...

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