9 de dezembro de 2012

Diz a ela enquanto tomo um café preto. Ou dois.


A brisa e o barulho dos carros, da obra que constrói mais um dos arranha-céus do centro da cidade lembram-me o seu discurso paralisante em minha direção. Lembrei-me... (lembrei-me nada. Meu rosto acaba de queimar quando um homem qualquer com o boné com a aba virada para o lado e calça jeans, me dá: “boa tarde”. Eu respondo da mesa do outro lado da grade e ele diz: “Você é muito linda.” Enrubesço. “Se Deus fez algo mais lindo que você, ele guardou pra ele. Porque você é muito linda. Nossa. Desculpe e boa tarde.” Sabe aquele tipo de abordagem que te desnorteia?... Voltei).


Enfim, dizia que lembrava da história de uma amiga que conheceu o amor aos quinze anos e entre idas e vindas, e dez anos, casou-se e meses depois se separou. O mito de Pandora com sua caixa de mistérios. A cozinha. E o Zéfiro de sua Íris que nem sempre a amava tanto assim. Sabe o que é ser olhado dentro da alma mesmo com toda roupa farsante envolta no corpo? Sentir as pirâmides desabarem por dentro? Estar nu no meio de um viaduto movimentado qualquer? É essa a sensação que seu par de botões escuros me causam.


Ouvir que você não pôde me amar e ser inteiro foi levar um tiro no sistema nervoso que escolheu você para reagir e derramar seus mais bonitos sentimentos. Tranquei a carne que se colocou diante de ti para ser devorada.

Lembra-se do dia que bebemos algumas cervejas em copos pequenos, outros grandes? Levantamo-nos e sentamo-nos algumas vezes e eu fiz a avassaladora escolha de não ir. O suficiente. Porque foi exatamente nesse momento que começamos a povoar a cabeça um do outro. Em um primeiro instante, espaçadamente, é verdade. Depois, diariamente. Ao levantar-se e antes de se deitar. De hora em hora. E se eu tivesse dançado? E se não comêssemos árabe?

Porém a história que quero contar é a do cara em uma festa, na qual ela sacudia o corpo sozinho ao som das músicas ultrapassadas da década de setenta, oitenta, abordou a mulher por seu cabelo e depois, desejou ter um filho com ela. Ele lhes deu um nome novo como acontece em algumas religiões na ocasião do batismo ou alguma espécie de renascimento dessas. Rebatizados, eles construíram um elo não racional e explicável que não os deixou soltarem-se. Que acendeu a mútua vontade e pronto. De quê, a vontade?

O ponto é que o rapaz que nunca se expunha deusa das cores (ou deus do vento), transbordou palavras lógicas, irracionais e sentimentais que a (o) envolveu em uma atmosfera fantástica e a levitou para alguns centímetros acima da chama azulada do fogão. Ele contou-lhe, com uma marca no pescoço, a história de uma terra cujos componentes assustados por sentirem algo desconhecido renegaram o objeto de seus desejos. Como uma maldição dessas de contos infantis, a terra não conseguiu ficar um dia sequer sem ela consigo, fosse em um pensamento, em um vazio ou em algumas frases. Esse sentimento foi corroendo a crosta que envolvia aquele grande espaço de habitação até que pudesse confessar-lhe explicitamente o que sentia por ela.

Outro conto era sobre o menino que lavou o feijão enquanto debulhava algumas espigas da sua alma. Colocou todos os ingredientes para a receita na tábua. Feijões na panela de pressão que já havia transbordado. Legumes e temperos espalhados pelas bocas. Sentou-se como de praxe no banco com o órgão virado para o encosto. Eles encararam-se. Seus sentimentos mais bonitos e claramente indesejados por si, viraram o prato principal de odor alcoólico. Ele a amava e continuar negando isso só seria massacrá-lo ainda mais um pouco e um pouco mais. Viu-a como que pela primeira vez com olhos de desejos aprisionados pela hora.

2 comentários:

Anônimo disse...

Se isso é uma invasão, me adianto em pedir-lhe as desculpas de quem já imagina estar invadindo. Sinto-me como se tivesse desenterrado um diário muito pessoal, ainda que exposto aos olhos de quem quisesse ver. Mas a verdade é que uma curiosidade simples me trouxe aqui, e daqui levo uma admiração complexa. Uma admiração de quem se surpreende ao se deparar com a bela expressão, no encaixe de palavras, de um cotidiano colorido e também de um reservatório de sentimentos e sensibilidades. Você se revela quadridimensional - aquela quarta dimensão que podemos conceber mas, quando nos é apresentada, nos embaralha o pensamento. Por sorte, também nos inspira e nos faz ansiar por mais.
Obrigado, Julieta, por sua sinceridade e sua graça. Suas palavras me instigaram. Quem sabe não volto a escrever? Não tão bem como você, creio eu...
E se me permitir, voltarei mais vezes.

Um beijo

Julieta Montéquio disse...

Invasão? Invasão é a da luz que atravessa a janela do quarto de uma certa criatura que há pouco, fora arrebatada por um sentimento tão devastador que senta-se na cama e por ali mesmo, como em uma ilha, devaneia.
Aprendera com outro a escrever e a expor-se. Fora dirigida.
Por pisar em um terreno incerto, deixo apenas um volte sempre.
E se quem fala é a certeza da menina. escreva. Escreva para que não falte-lhe inspiração e movimento.