20 de dezembro de 2012

Trajetória 2: Rio-Niterói

Ouve-se uma conversa indignada e fervorosa de um pai para um filho pequeno, uns sete ou oito ou nove anos. O pai dava o seu ponto de vista sobre a vida e educava a criança. Como é árdua e delicida a função de educar. O que fazer, de que maneira agir quando a vida não está balançando sobre o mar com janelas de cartões-postais? De um lado, a ponte. De outro, o pão de açúcar. Como agir quando o mundo se torna de fato um moinho e o calor frita os cabelos de uma moça na rua que ao abraçar o amigo, queima-lhe a orelha?
A figura paternal exclamava que o filho tinha de ficar perto da cabine azul dos policiais, em um ângulo onde a câmera lhe filmava todo o tempo. Que se o cara fosse mexer com seu filho de novo, ele ia falar com os pais dele. E que se continuasse, ia dar parte na delegacia e entrar com uma ação por danos morais (pequenas causas). "Danos morais, não. Injúria racista! Art. nº tal da Constituição Federal." O pai ficou em silêncio. Depois disse que ele não devia ter mexido com a pessoa errada. Meu ouvido atento tentava captar cada palavra e ideia daquela cena.

"Você sempre resolve, né, pai? Vai até o fim que nem aquela vez que o moço..." (não deu pra ouvir o resto). "Sim, filho. A gente tem que ir até o fim. Se as pessoas fizerem algo, a gente tem que contestar. Isso aqui (isso = mundo) é pior que a savana. Na savana, os animais só matam o outro e os comem porque estão com fome e precisam alimentar-se. A fome os move. Aqui, não. É um querendo passar por cima do outro, comer o outro só pela bel vontade, pela maldade. Há prazer nisso. Se não for pela fome, qualquer bicho pode passar pertinho do outro que ele não vai fazer nada."
O menino pergunta algo que não consigo ouvir. O pai diz que naquele caso, a história é outra. É uma questão de instinto do animal, mas que mesmo assim, o bicho só vai matar o outro pela fome. Uma vez mesmo, um amigo dele, Sérgio, mergulhava e um tubarão branco passou do lado dele e não fez nada porque não tinha fome. "Mas isso aqui, filho, é pior que a selva. Tem que estar preparado."
Lembrei-me da conversa que tinha acabado de ter com um amigo sobre fé e religião, e ele me contou que gostaria de acreditar em alguma religião, mas que até o momento presente de seus quarenta e nove antigos anos, nenhuma lhe arrebatara. Falava que queria poder chegar a uma criança enferma ou órfã e dar força dizendo "Eu acredito nisso. Tudo vai melhorar, Vai dar certo." Mas que atualmente,... Só poderia dizer "É, está brabo. Mas não fica assim, porque vai piorar... Se prepara."

Sobre o verbo preparar, aparelhar-se, dispor-se antecipadamente, que tanto ouvi neste dia. Pode querer dizer estar pronto para uma ou mais ocasiões qualquer. É ele um dos mistérios da fé. Estar pronto e confiar-se pronto. Já disse o grande bardo "Estar pronto é tudo." Não é, Hamlet?

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