10 de janeiro de 2013

"Espera!" [ou a cirrose do amigo]


Esperar. Um gole preto. Barulho da chuva que entope os bueiros e enche os acostamentos das ruas que flertam com o mar de lama. O tempo impiedoso não para de gritar e vomitar. Está tudo calmo. O resto é brisa. Sem raio. O vir e o não vir tornam-se as únicas opções possíveis. Pensa em chocolate, hambúrguer, comida gorda, mas com muita fibra para ajudar a digerir todas aquelas informações. Quem sabe, dessa maneira a tontura não passa. Um xis foi marcado. Vir. Quando as mãos parecem ter saído do freezer e o coração dança um frevo dentro da carcaça da gente, qual é o real significado? Significado.

Ao cruzar todo aquele ferro, um abraço rápido, preocupação, lama, umidade, os lábios estão ressecados. A voz oscila. O banheiro o convida e os segundos cirandam com ela. O segundo abraço. Apertado e duradouro como qualquer sofrimento. As lágrimas já não se contêm. Caem. A água é da saudade, da culpa, da tristeza. Afastam-se, mas como não havia jeito, já estão de mãos dadas outra vez. Só que longe. Mais ou menos um metro de distância. Palavras ping, palavras pong. O velho Malboro é acariciado, aceso, consumido e jogado fora.

O terceiro abraço, capaz de dizer tudo ainda que não havia sido dito. Ele finalmente, conseguia dormir em paz. Ela por sua vez, podia extravasar todas as gotas que restavam e que somente aquele coração podia compreender, mesmo com todas suas fissuras e faixas. Os anjos dizem amém. Dormem. O alarme do que é real despertam-nos. A árvore, o mar, a piscina, já não estavam lá. Nunca estiveram. Ela presenteia os olhos com as joias que mais lhe causavam dor a ausência, o par de contas negras cor de trovão. Aquela linha côncava, descendente era única e impossível de se encontrar num outro templo. A transação de pulsos pelos nervos na pelo, sob tecido e eriçar. No fim, tudo é respiração.

O quarto abraço. O quarto aperto mais difícil. É como se o padeiro pegasse um coração e o apertasse, o arremessasse sobre a tábua fria uma, duas, três, quatro vezes, na tentativa de tornar aquele futuro algo comestível em coisa macia. Apesar de saberem que estão unidos pra sempre, como as moléculas da massa, sentiam pungência na ferida-separação. Era o braço do personagem que de tanto picar-se para sentir prazer, tivera de amputá-lo. Só que esse membro permanecia ali, mexendo, coçando e até ardendo. Era a chave da máquina, a tela quebrada, o guarda-valor, tudo conferido.

A cena do filme triste. O passarinho molhado pousado no fio. Um par de tênis é calçado. Uma estrelinha amarela. Um de olhares é colocado em close. O quinto abraço da incerteza. O elevador pára. A luz no corredor. O ímpeto de segurar. A despedida. A corrida para a janela faz barulho no teto da senhora que mora embaixo. O barulho distante na porta. Cruza-se a rua como quem tem os pés voltados para trás. Não olha. Como é ofegante a espera. A lembrança da Ofélia. O oceano demoraria demais. Luz verde. Luz vermelha. Luz azul brilhante que triunfa pela avenida que abre espaço só para ela. Para eles. Queria dizer que sente falta do olhar-pássaro que havia criado por aquele tempo, mesmo que à força. Calou-se, enquanto ela desaparecia.
 

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