12 de janeiro de 2013

Eu tropeço e não desisto [ou um livro perdido na infância]


Um café. Por receio, a garota sentou-se atrás, não só da grade, mas da porta de vidro também. A dificuldade em respirar, o gosto de fel na boca e a série de nuvens cinza que apagaram o sol, fizeram-na engolir alguns pedaços de tiramissú com uma calda que lembrava o sangue que sentia nos olhos. A cada parte que descia, não sentia doçura alguma. Lembrou-se de um livro que lera na época da escola, durante o antigo maternal, que chamava-se “Eu tropeço e não desisto”. De alguma maneira, aquela história ficou tatuada em sua memória. Havia lido e relido algumas vezes. Lembrava-se com clareza da finura do livro, da ilustração da capa – uma menina de vestido branco e avental preto com uma lata de leite na cabeça e outra nas mãos em um campo gramado, céu azul e ah! Claro. Ela estava de costas, como alguém que caminha em direção ao horizonte. Cabelos loiros.

Contava a história de uma jovem que todo dia, enquanto levava os baldes com leite para casa, tropeçava em algo que a fazia derramar o líquido no chão e retornar a casa sem nada. No início, ela chorava e era toda tristeza com a situação. Com o tempo, aprendeu a contornar os obstáculos, as pedras, e conseguiu, finalmente, chegar com o leite intacto em casa.

Parecia-lhe uma história sensacional, capaz de fazer seus pequenos olhos brilharem. Só que ela cresceu. E com olhos e idade maiores, após várias topadas e tropeçadas, solta um riso sarcástico ao lembrar de todo esse conto, diante de mais um tropeção.

A respiração ainda encontra dificuldade para fluir. O peito apertado. Um café sem açúcar pra ver se piora. Pensa nas lições que o ano lhe trouxera. A vida é um sopro, a solidão é uma faca de dois gumes, a insanidade é um estalo e o amor romântico, a que tanto tinha crença, definitivamente, não existia neste planeta que habitava.

Caminhou pelas ruas de paralelepípedo, trôpega. Única. Penetrou no metrô e sentou-se em um bar antes de ir para casa. Bebeu umas quatro doses de cachaça e, antes que pedisse a saideira, sorriu e indagou ao cara loiro de cabelos compridos no balcão: “Tem leite?”. A garota que tudo tinha foi até sua residência (tão bem cuidada por ela própria) soluçando de esquina em esquina. No leito branco, derramou-se e dormiu.

Um comentário:

Kaido disse...

"A vida é um sopro, a solidão é uma faca de dois gumes, a insanidade é um estalo" irretorquivel