31 de janeiro de 2013

Ode à Estabilidade


Estabilidade
Estática
Estar bem
Está bem?
Equilíbrio
Sorrir fixamente
Não rugas
Face harmônica
Pseudo-harmonia
Mobilidade
Funcionalidade
Dois pontos
Parágrafo e ponto final.
- A crise é feia, mas existe.
Prisão
Silêncio
Um grito no ar
Angústia
Rojão
(...)
[um grito]

O recuperar que só a instabilidade pode trazer
A inaceitável e má educada instabilidade
Faça do meu corpo
o seu bem-vindo estar

29 de janeiro de 2013

Ciscos de Sol na janela do Conhecimento


A luz do sol
Pinceladas distintas na tela areia
Na fala rubra que apaixona e/mas
Desce por terra na mesma intensidade
Em uma capa-pele dicotômica
que nem mesmo a bomba atômica,
Entre a sua complexidade como acontecimento
Onde alguns não querem compreender
O demônio-anjo do não entender
Venerador da casca unidimensão,
Escolhem o não envolver

(Falar em desenvolver pode ser a possibilidade)

Tons de sol e chuva
Do cinza das nuvens, do entre branco e preto
O entre é o silêncio, a arte
O tom da cor, a tentativa da explicação
Do aparato científico, do conceito
Que muitas vezes, sem jeito
Coloca em visibilidade a alvura
Nas pontas dos dedos precisos
Para apanhar.

Ah, a ignorância que é a santa
É também a outra
O não ouvir como eleição sua ou do outro
É ouvir, uma escuta que pode ser cega
Sem tato, sem cheiro ou sem qualquer sentido
Dos conhecidos ou Des conhecidos
Imerso no tempo, a tempo para explicar
Porque as palavras vão e ficam e vão e ficam e vão e ficam e vão e ficam e vão e ficam e vão
No vão, em vão, um vão.
Pensar em um vão móvel chamado desejo.

12 de janeiro de 2013

Eu tropeço e não desisto [ou um livro perdido na infância]


Um café. Por receio, a garota sentou-se atrás, não só da grade, mas da porta de vidro também. A dificuldade em respirar, o gosto de fel na boca e a série de nuvens cinza que apagaram o sol, fizeram-na engolir alguns pedaços de tiramissú com uma calda que lembrava o sangue que sentia nos olhos. A cada parte que descia, não sentia doçura alguma. Lembrou-se de um livro que lera na época da escola, durante o antigo maternal, que chamava-se “Eu tropeço e não desisto”. De alguma maneira, aquela história ficou tatuada em sua memória. Havia lido e relido algumas vezes. Lembrava-se com clareza da finura do livro, da ilustração da capa – uma menina de vestido branco e avental preto com uma lata de leite na cabeça e outra nas mãos em um campo gramado, céu azul e ah! Claro. Ela estava de costas, como alguém que caminha em direção ao horizonte. Cabelos loiros.

Contava a história de uma jovem que todo dia, enquanto levava os baldes com leite para casa, tropeçava em algo que a fazia derramar o líquido no chão e retornar a casa sem nada. No início, ela chorava e era toda tristeza com a situação. Com o tempo, aprendeu a contornar os obstáculos, as pedras, e conseguiu, finalmente, chegar com o leite intacto em casa.

Parecia-lhe uma história sensacional, capaz de fazer seus pequenos olhos brilharem. Só que ela cresceu. E com olhos e idade maiores, após várias topadas e tropeçadas, solta um riso sarcástico ao lembrar de todo esse conto, diante de mais um tropeção.

A respiração ainda encontra dificuldade para fluir. O peito apertado. Um café sem açúcar pra ver se piora. Pensa nas lições que o ano lhe trouxera. A vida é um sopro, a solidão é uma faca de dois gumes, a insanidade é um estalo e o amor romântico, a que tanto tinha crença, definitivamente, não existia neste planeta que habitava.

Caminhou pelas ruas de paralelepípedo, trôpega. Única. Penetrou no metrô e sentou-se em um bar antes de ir para casa. Bebeu umas quatro doses de cachaça e, antes que pedisse a saideira, sorriu e indagou ao cara loiro de cabelos compridos no balcão: “Tem leite?”. A garota que tudo tinha foi até sua residência (tão bem cuidada por ela própria) soluçando de esquina em esquina. No leito branco, derramou-se e dormiu.

10 de janeiro de 2013

"Espera!" [ou a cirrose do amigo]


Esperar. Um gole preto. Barulho da chuva que entope os bueiros e enche os acostamentos das ruas que flertam com o mar de lama. O tempo impiedoso não para de gritar e vomitar. Está tudo calmo. O resto é brisa. Sem raio. O vir e o não vir tornam-se as únicas opções possíveis. Pensa em chocolate, hambúrguer, comida gorda, mas com muita fibra para ajudar a digerir todas aquelas informações. Quem sabe, dessa maneira a tontura não passa. Um xis foi marcado. Vir. Quando as mãos parecem ter saído do freezer e o coração dança um frevo dentro da carcaça da gente, qual é o real significado? Significado.

Ao cruzar todo aquele ferro, um abraço rápido, preocupação, lama, umidade, os lábios estão ressecados. A voz oscila. O banheiro o convida e os segundos cirandam com ela. O segundo abraço. Apertado e duradouro como qualquer sofrimento. As lágrimas já não se contêm. Caem. A água é da saudade, da culpa, da tristeza. Afastam-se, mas como não havia jeito, já estão de mãos dadas outra vez. Só que longe. Mais ou menos um metro de distância. Palavras ping, palavras pong. O velho Malboro é acariciado, aceso, consumido e jogado fora.

O terceiro abraço, capaz de dizer tudo ainda que não havia sido dito. Ele finalmente, conseguia dormir em paz. Ela por sua vez, podia extravasar todas as gotas que restavam e que somente aquele coração podia compreender, mesmo com todas suas fissuras e faixas. Os anjos dizem amém. Dormem. O alarme do que é real despertam-nos. A árvore, o mar, a piscina, já não estavam lá. Nunca estiveram. Ela presenteia os olhos com as joias que mais lhe causavam dor a ausência, o par de contas negras cor de trovão. Aquela linha côncava, descendente era única e impossível de se encontrar num outro templo. A transação de pulsos pelos nervos na pelo, sob tecido e eriçar. No fim, tudo é respiração.

O quarto abraço. O quarto aperto mais difícil. É como se o padeiro pegasse um coração e o apertasse, o arremessasse sobre a tábua fria uma, duas, três, quatro vezes, na tentativa de tornar aquele futuro algo comestível em coisa macia. Apesar de saberem que estão unidos pra sempre, como as moléculas da massa, sentiam pungência na ferida-separação. Era o braço do personagem que de tanto picar-se para sentir prazer, tivera de amputá-lo. Só que esse membro permanecia ali, mexendo, coçando e até ardendo. Era a chave da máquina, a tela quebrada, o guarda-valor, tudo conferido.

A cena do filme triste. O passarinho molhado pousado no fio. Um par de tênis é calçado. Uma estrelinha amarela. Um de olhares é colocado em close. O quinto abraço da incerteza. O elevador pára. A luz no corredor. O ímpeto de segurar. A despedida. A corrida para a janela faz barulho no teto da senhora que mora embaixo. O barulho distante na porta. Cruza-se a rua como quem tem os pés voltados para trás. Não olha. Como é ofegante a espera. A lembrança da Ofélia. O oceano demoraria demais. Luz verde. Luz vermelha. Luz azul brilhante que triunfa pela avenida que abre espaço só para ela. Para eles. Queria dizer que sente falta do olhar-pássaro que havia criado por aquele tempo, mesmo que à força. Calou-se, enquanto ela desaparecia.